Friday, February 16, 2007

Mais um que se vai.



Mais um que se vai.
(Nayguel Cappellari)

Bom, sei que esta não é a melhor maneira de se começar um texto, mas não tendo outra em vista, fico com apenas este rumo, onde começo a escrever. Talvez este texto fique subjetivo demais, talvez não, talvez me ataque os nervos no meio dele e eu comece a delirar, talvez não. Mas por favor, o que eu peço é que quem estiver lendo, leia até o final. Acho que valerá o esforço.
Primeiramente gostaria de comentar o porquê de eu estar aqui, agora, escrevendo. Durante um tempo, este mesmo tempo que fiquei sem atualizar as postagens, me deu uma forte e involuntária vontade de não escrever nada, sabe, aquele tempo que os escritores ficam sem inspiração.. Então, durante este tempo eu não queria escrever, aliás, vontade de escrever não faltava, o que eu não via era o sentimentalismo que eu tanto prezo em minhas escritas, por isso, joguei muitas coisas fora. Mas hoje, acordei-me cedo [mesmo tendo ido dormir tarde] e me deparei com o teto de meu quarto, e filosofava por causa de um sonho que eu tive.
Muitos de vocês (senão todos), devem saber o que aconteceu com o menino chamado João, que foi brutalmente arrastado por um carro. Sim, deve-se a ele mesmo este texto e esta profunda reflexão.
Recusei-me a ouvir noticiários ou ler algo na internet que falasse da morte deste menino, porque eu sabia que iria ficar durante uma eternidade chorando e me corroendo por dentro, porque eu não pude fazer algo para salvá-lo. E eu sei, existem vários Joãos por aí. Por isso decidi tentar evitá-lo desta forma. Acho que não consegui.
Na madrugada de quinta para sexta-feira, tive um sonho. Um sonho um tanto quanto triste, lindo e real.
Sonhei com o pobre e incrível menino João, sonhei que eu estava dentro de um recinto, não sei dizer ao certo se era um super-mercado ou se era alguma lanchonete ou coisa do tipo, sei, dizer ao certo que estavam em minha frente duas mulheres, aparentemente bem tristes e cansadas, e com os olhos completamente fechados, porque se recusavam a olhar novamente o mundo. E uma delas falou, em alto e bom tom, mesmo que cheio de tristeza:
- Este era o caderno do meu Joãozinho, ele escrevia algumas coisas, tem umas coisas aqui.
Ela mostrou-me mas não tinha páginas, estavam arrancadas.
Quando eu, ainda em sonho, viro-me para o lado, e as duas mulheres somem, e me vem à frente a imagem do menino. Ele fala, rindo e com os olhos de criança esperta e incrivelmente feliz:
- Não precisa chorar, eu não morri, nem vou morrer. Sou uma estrela!
E eu olhei pra ele, e uma lágrima escorria de minha face. Até que eu o vi se distanciar, e acordei.

Logo, este sonho me fez refletir o dia todo, eu havia ido dormir às três da manhã e me levantei às seis, não consegui mais "pregar os olhos" e fui me vestir e arrumar para às sete horas correr, fazer exercício matinal. Quando, ainda em passos rasos e bem lentos por causa da sonolência e da inatividade de querer dormir, fui até a cozinha e vejo, meio que de relance um vulto passando por cima de mim, e entra a claridade em meus olhos, em meu espírito. Não vi mais nada, fui à geladeira e roubei alguma coisa pra comer, que nem lembro o que era, tomei um café, escovei os dentes e fui correr.

Aos olhos das pessoas na rua eu era uma pessoa normal, correndo com a camiseta do Grêmio (depois da vitória incrível do meu time na Libertadores eu tive de coroá-lo com a camisa no outro dia também), correndo em volta de um "canalete", onde pedestres geralmente fazem o mesmo, com ou sem a camisa do Grêmio. Mas eu não era, enquanto corria, não conseguia tirar o sonho da cabeça, e, ao parar no fim do caminho, para fazer a volta, deparei-me com um nascer-do-sol maravilhoso e me veio a imagem do lindo e sorridente Joãozinho, que me fez rir e soltar algumas lágrimas, verdadeiras e de coração. Não as enxuguei, segui em frente depois de olhar o nascer-do-sol, debrulhando-me em lágrimas e sorrindo cada vez mais, apesar de tudo que havia acontecido.
Por isso, eu sei, o menino, João, de fato é um anjo. É uma estrela que está a proteger todos nós. E espero que mantenha sempre o sorriso em frente e os olhos de criança exuberantemente incríveis.
Hoje, apesar de tudo, eu fui mais feliz graças ao menino João. Espero que ele esteja feliz, onde quer que ele estiver.

2 comments:

Anonymous said...

Nayguel... Não deu para evitar o choro... Eu tenho acompanhado muito esse caso do João... Vi até uma entrevista que os pais deles deram que foi muito emocionante, e eu, assim como muitas pessoas, vejo que não é nada fácil segurar essa "barra" de perder alguém querido em nossas vidas, talvez pelo fato de já ter passado por algo semelhante, ou então pelas tristes expressões da família. Sei lá... Só sei que eu já rezei muito por essa família e pelo Joãozinho. Peço sempre que eles sejam muito ilumidados e que essa família consiga ver o sol bonito outra vez, como eu aprendi a ver... ;]

Anonymous said...

O nome dele era João... mas poderia ser Maria, Eduardo, Adalberto, Carolina, Raíssa, Ricardo.

Por que o João?

Por que só ele em especial?

Por que não a Fernanda, menina-prostituta de doze anos, morta da mesma maneira, para servir de exemplo às outras prostitutas que tentassem escapar de seu cafetão? Ela, que foi obrigada a dormir com 22 homens, virgem. Ela que apanhou e teve fome. Por que não ela?

Por que é João o santo, por que ele?

Por que a Globo canonizou João e não canonizou Fernanda? Qual é a diferença?

Não importa. As únicas perguntas que interessam são:

Por que os dois tinham que morrer?
....


E por que não estamos fazendo nada?

Moço, recomendo-lhe a leitura do Livro "Meninas da Noite", de Gilberto Dimenstein. Brutalidade pouca é bobagem.

Babárie é nosso nome do meio. Brasil das Barbáries Bestiais. =) Não é?

Excelente texto, excelente reflexão. Perguntas assim, sonhos e vultos assim me ocorrem todo dia, entendo-o completamente.

Beijos!